sábado, 19 de junho de 2010

O ano da morte de José Saramago






A morte nunca se importou com as nossos valores – valores que criamos e damos a nós mesmos. Que plantemos jardins de flores com palavras: consolo que se serve somente a nós. E é assim… se no indiferente do Universo, Saramago é só matéria transformada, a nós mortais é saudade que fica e livros que se tornam mais místicos: aquela mística que nós – animais doentes – colocamos nos livros, palavras, nadas! mas cuja carne somos carne também.

Que assim seja, precisamos delas, e as de Saramago a muitos de nós estarão presentes a desenvolver sentidos e mais sentidos que morrerão conosco num dia como qualquer outro, como esse que Saramago morreu, com céu, sol, noite, estrelas, vento… como o dia de dia ou de noite que eu morreremos.

Ainda que Saramago “lamentava” ter que morrer, o lamento de quem quer viver, de nada adiantou; nem aqueles que nos atravessam o corpo e nos criam novos horizontes com palavras são capazes de seduzir a morte.

Que se diga: morreu um homem, não um gênio, não um mestre, não um mágico, não qualquer coisa que queiram transformá-lo que não o homem: morreu o homem, um grande homem! e é por ser homem e não uma coisa que não homem que continuará falando no murmúrio das palavras que ficam enquanto nós, homens, passamos.

É necessário imaginar Sísifo feliz, disse Camus, homem que também foi e que deixou palavras. É necessário imaginar Cristo recebendo Saramago com grato abraço por ter lhe dado aquilo que a Igreja lhe tirou, por devolver seu ser homem e não gênio, messias, salvador, divino, coisa que não homem… Cristo se tornou humano com grandeza e miséria como todos os homens na mais bela verdade de ficção: nos encontramos por aí, nos “Evangelhos” escritos por mortais que falam de mortais a nós mortais, que sofrem, se alegram, se criam e se destróem com palavras, com nadas… que morreremos.

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