quinta-feira, 14 de julho de 2011

O bloqueio midiático a Cuba é qualificado



O bloqueio midiático a Cuba é qualificado

A gente já ouviu na fala do Marcos Weissheimer de que é feita nossa mídia. Então, não há nada de errado com o fato de todos fazerem o bloqueio qualificado com relação a Cuba. Digo qualificado porque na verdade, só há bloqueio para um determinado tipo de notícias. Nós podemos ver, por exemplo, a exaustão, um desses barcos cheios de gente fugindo de Cuba em direção a Miami nas redes nacionais. E matérias emocionadas de repórteres baseados em Miami. E comentários dos âncoras dos jornais nacionais. Estas notícias não são bloqueadas. Pelo contrário. São disseminadas. É mesma velha lógica já muito bem elaborada por Noam Chomsky no seu livro “Os guardiões da liberdade”. Nesse livro ele explica como os meios de comunicação nos Estados Unidos lidam com as notícias ruins das nações amigas e com as notícias ruins das nações inimigas. Os jornais e TVs falam de tudo que acontece. A questão é: como falam? Chomsky mostra que as notícias ruins nos países inimigos são trabalhadas de forma exagerada, desvirtuada, exaustivamente. Já quando é numa nação amiga, as notícias ruins também são dadas, não há censura, mas não passam de notas ou matérias evasivas. E como no Brasil seguimos o mesmo padrão estadunidense, é tudo muito igual.

Então isso é bem importante a gente frisar. Não há um bloqueio midiático a Cuba. Há um bloqueio das notícias boas, do que há de bom em Cuba. Dito isso, precisamos de novo partir desde a realidade para compreendermos porque isso acontece. Porque se bloqueia as coisas boas que acontecem em Cuba.

Essa é uma pergunta de fácil resposta. Cuba é hoje, talvez, o único país socialista do mundo inteiro. E isso não aconteceu assim, do nada. O que houve e o que há em Cuba é uma revolução. Isso também é muito importante lembrar. De novo, e sempre. É o único país desta parte do continente, que desde as guerras de independência iniciadas em 1810, fez uma revolução, venceu e permaneceu em processo revolucionário, destruiu toda a engrenagem de capitalismo dependente que havia na ilha e caminhou para o socialismo. Isso não é bolinho.

Então o problema não é Cuba, não é Fidel, Raul ou Che. É o socialismo. Essa coisa contaminante, avassaladora que se anunciada pode provocar muitos estragos, aqui e em qualquer parte. Quando o povo cubano lá pela metade dos anos 50 do século passado começou a se mobilizar contra a ditadura de Batista, o império ficou olhando meio desconfiado. Poderia ser uma boa mudança, desde que o poder seguisse nas mãos dos mesmos. Então, as vozes que vinham da cadeia depois do assalto ao quartel Moncada, anunciando uma revolução democrática, não pareciam tão assustadoras. E isso é verdade, o começo da luta juntou proletários, camponeses, estudantes e burguesia. Todos queriam o fim da ditadura. A luta em Cuba se fez em todas as frentes. Na cidade, no campo, na universidade, na fábrica, nos pequenos comércios, nas pequenas fazendas. Havia concretamente uma aliança de classe e para o império, conquanto a burguesia dirigisse o processo estava muito bem. Por que o império sabe que se pode mudar a cara de um governo, torná-lo mais democrático, com respeito aos direitos humanos e coisa e tal, sem mudar em nada as estruturas do sistema. É a velha lição do dar os anéis para não perder os dedos.

Só que depois, a chegada do Granma, os barbudos nas montanhas, a Rádio rebelde, as greves, as mobilizações nas cidades, a organização crescente dos revolucionários de todas as cores, a grande greve de outubro de 58, foi mostrando que ali havia um povo inteiro em revolução – e não apenas um pequeno grupo incrustado na Sierra Maestra – e isso perturbou o império. Ainda assim, quando as tropas rebeldes entraram em Havana em janeiro de 1959, ninguém tinha muita certeza sobre o que aconteceria. O gabinete de governo provisório – que incluía os burgueses – falava em manter os negócios com os estados Unidos. A festa era pelo fim da ditadura.

Foi o povo alçado em rebelião, armado, que afastou os burgueses do comando, as forças populares avançaram por dentro da revolução, queriam mudanças radicais. Não aceitariam menos que um câmbio total. Assim, a esquerda foi se tornando hegemônica no processo. Havia o compromisso de solucionar os problemas econômicos que eram estruturais, os problemas sociais, mas sempre com a participação direta do povo. Assim, o caráter democrático/burguês da revolução cubana vai até a metade do ano de 1960, conforme estudos de Vania Bambirra, expressos no seu livro A revolução cubana – uma reinterpretação. A partir daí vem o novo, e Cuba deixa de ser uma incógnita. Era um país que caminhava para o socialismo. “O que Cuba será agora depende só de nós” dizia Fidel. E os cubanos, de forma participativa decidiram que não havia mais espaço para o capitalismo dependente. Criaram o novo. Compreender essa história é crucial para entender o bloqueio qualificado da mídia burguesa.

E por quê? Bueno. A América Latina é um continente oral. E isso não é dito como coisa boa. A colonização nos deixou essa herança. O analfabetismo é gigantesco. As pessoas se informam pelo ouvido. Não é a toa que mais de 80 dos brasileiros se informem pela televisão. Há os que não sabem ler, os que não aprenderam que ler é bom e os que não têm tempo para ler por conta do processo de superexploração do trabalho. O homem e a mulher comuns chegam a casa e ligam a televisão. Ali vão saber das notícias.

Agora imaginem esse homem e essa mulher, superexplorados pelo sistema capitalista dependente que domina o nosso país – assim como a maioria dos países latino-americanos – sabendo da verdade sobre Cuba? Imaginem eles saberem que um povo se armou, se organizou no campo e na cidade, lutou e venceu. E que esse povo mudou totalmente a estrutura organizativa do estado. Que socializou a economia, que mudou as relações de produção, que destruiu toda a estrutura política e jurídica do velho estado, que inventou novas formas de poder, de organização social e de cultura.

Imagine eles saberem que esse povo comanda a nação, que eliminou materialmente a estrutura do capitalismo dependente que fazia de Cuba um prostíbulo e uma imensa fazenda estadunidense. Que nacionalizou todos os bancos, que desapropriou todas as terras das companhias estrangeiras, que assumiu o controle do comércio, que existem comitês populares de defesa da revolução, que a saúde , a educação e a moradia são garantidas. Imaginem?

E se a rede Globo contasse sobre como funciona a democracia cubana, que é participativa, que envolve cada família desde a rua onde mora, que as gentes conhecem seus problemas e propõem soluções e que são ouvidas, de verdade. Que inveja doida isso não ia dar?

É por isso que o tal bloqueio qualificado não fala disso. Prefere falar dos que fogem para Miami, da “ditadura” de Fidel, da falta de democracia. A ideia que as pessoas têm de Cuba é a de que um único homem dita as regras. É incognoscível para a mentalidade burguesa dos jornalistas ignorantes ou vendidos que fazem as coberturas, compreender que as eleições cubana, por exemplo, não tem absolutamente nada a ver com as do mundo capitalista burguês. As criaturas querem comparar o incomparável. Como comparar a eleição no Brasil, na qual as gentes votam sob o domínio da ditadura financeira, com a cubana? Cadê a reportagem falando das intermináveis assembléias e da participação cubana em todas as decisões? Não tem! Porque não interessa.

Bom, quero agora entrar agora no que fazer para mudar isso. Porque de Cuba os que estamos aqui sabemos um pouco. O que importa é pensar alternativas para furar o tal do bloqueio qualificado. As propostas práticas. Olha, eu tenho algumas tristes notícias para dar.

A primeira é de que não existe possibilidade de solidariedade concreta a Cuba se não estivermos dispostos a mudar radicalmente a organização da vida nos nossos próprios países. Como bem diz o grande Ruy Mauro Marini, no prefácio do livro da Vânia Bambirra sobre Cuba, o imperialismo não é um fenômeno externo ao capitalismo latino-americano, mas é elemento constitutivo deste. E não se esgota na face visível de capital estrangeiro, transferência de mais valia, do monopólio etc… O imperialismo se manifesta na forma que o capitalismo dependente assume aqui, a partir da própria dependência – financeira, política, cultural e midiática – na superexploração do trabalho, na concentração do capital. Assim, fazer solidariedade a Cuba é fazer a luta contra isso, aqui no nosso país, porque eliminar essa dependência é eliminar o capitalismo. Não há anti-imperialismo possível fora da luta pela liquidação do capitalismo, fora da luta por outra forma de organizar a vida, que podemos chamar de socialismo, ou sumac kausay, ou sumac camaña , ou Yvy Rupa.
A segunda notícia triste é de que não há possibilidade nenhuma de furar o bloqueio midiático contra Cuba sem a eliminação do capitalismo. Pelas mesmas razões. A mídia burguesa, capitalista, imperialista, cortesã, não vai garantir espaços para nós. Para a Cuba socialista. Não vai. É ingenuidade essa luta redutora por democracia na comunicação dentro do sistema capitalista tal como ele se expressa no nosso país. Nós não podemos aceitar a migalha de mais democracia, mais justiça, mais liberdade, mais movimentos populares na TV, mais negros, mais homossexuais. Porque isso significa que alguém fica de fora. E o comandante, el Che, já dizia “ enquanto houver um companheiro injustiçado, a luta tem de seguir. É democracia , é justiça, é liberdade. É presença, é controle dos grandes meios. E ponto.

A terceira má noticia é de que nós nunca chegaremos lá se seguirmos como vamos. Movimentos sociais apáticos, vendidos, cooptados. Sindicatos silentes, dirigentes atuando apenas em horário comercial, lutas terceirizadas, fragmentadas. Incapacidade de atuação em bloco, de articulações nacionais. Olha aí o código florestal, a vergonha que foi, o massacre, a certeza de que o legislativo é uma farsa. Olha aí Belo monte, tudo passa sem que os movimentos se juntem num bloco único de força e luta. Estamos vivendo como amebas esperando as benesses de um governo que já mostrou a que veio e a quem serve desde a reforma da previdência em 2003. Amebas não mudam o mundo.

Mas, também há boas notícias. E eu quero dá-las. Existem muitas propostas de comunicação alternativa, popular, comunitária. Muitas mesmo. E todas dispostas à solidariedade, a furar o cerco midiático contra Cuba, a disseminar as idéias de socialismo e de vida boa. E agora, com o advento da internet, gente que nunca poderia falar está falando. Existem os blogs, as páginas dos movimentos e tudo mais. Agora eu pergunto. Quem nos lê? Quem navega por nossas páginas? A quem atingimos com nossas palavras? Qual é a eficácia do nosso discurso?

Não sei aqui, mas às vezes lá em santa Catarina, eu apareço na televisão. Essas coisas rituais de jornalismo televisivo. Menos de 15 segundo numa matéria bem idiota sobre o Campeche, por exemplo, ou sobre a greve na UFSC. No dia seguinte, aqueles 15 segundo nos quais eu apareci na RBS são de domínio de todo mundo. Meus vizinhos passam por mim e dizem: Te vi na TV, heim? Na universidade as pessoas me gritam: Te vi na Tv. Enfim, mesmo meus compas mais radicais da esquerda emburrada dizem: Te vi na TV. Eles vêem a RBS também… Ou seja, a gente faz uma luta de anos, mobilizamos uma comunidade inteira para um ato na câmara, e os 15 segundos na RBS são mais eficazes do que todo o trabalho feito antes… percebem o que quero dizer, onde quero chegar? Temos de tomar essas emissoras de televisão, de comunicação de massa. Como bem dizia o velho Brizola. Ele era um gênio político. Sabia que a primeira coisa era tomar a Globo. Porque o nosso povo engravida pelo que vê na TV. Comunicação de massa.

Ah, mas e enquanto isso? Enquanto não tomamos a Globo. Temos de criar redes. Temos de potencializar nossas falas. Elas têm de estar em todos os veículos alternativos, populares e comunitários ao mesmo tempo. E ainda assim seremos pouco eficazes. Mas temos de fazer esse esforço. Superar o sectarismo, fazer uma aliança mínima em torno das grandes questões. Em Santa Catarina criamos a Rede Popular de Comunicação Catarinense, juntamos forças.

A solidariedade a Cuba passa por aí. Temos de formar redes, estabelecer nexos, atuar em uníssono. Mas, para além disso, temos de mudar o país. Temos de destruir o capitalismo e varrer a burguesia, a classe dominante. Essa é nossa principal forma de ser solidário com Cuba, de furar o bloqueio.

Marini alertava que o socialismo não é simplesmente uma forma econômica, ele é , uma economia, uma política, uma cultura que exprime os interesses de uma classe: o proletariado, ou os oprimidos, e se opõe aos interesses da classe dominante. E se o socialismo é a revolução que opõe o proletariado contra a burguesia não há lugar para ela no bloco histórico das forças que construirão o socialismo. Daí ser impossível a conciliação de classe ou a união com a burguesia. Por isso é impossível esperar democracia de informação da Globo, do Estadão, da RBS. É impossível isso, companheiros.

Diz Marini: “A luta pelo socialismo é uma luta política para quebrar a resistência da classe dominante e destruir as suas bases materiais de existência, como fez Cuba”. E isso se faz na força, na luta mesma, não é com nhem nhem, nhem. Ou fazemos isso ou não há esperanças nem pra nós, nem para Cuba. Então, o nosso compromisso como jornalistas e comunicadores é ser eficaz. Fora disso é dilentantismo, é demagogia, é musculação de consciência. Nosso papel é, para além de anunciar desgraças, como fazemos toda a hora, é também anunciar a boa nova. Dizer como é bom o socialismo ou o sumac kausay… engravidar as pessoas com a promessa do socialismo.. coisa que o capitalismo faz tão bem, como mostra Ludovico Silva ao explicar como funciona a mais-valia ideológica.

Então compas… Não há receitas… Há algumas intuições, outras certezas, algum juízo moral. E aí, ou embarcamos nessa luta com todas as nossas forças, ou vamos sempre andar por aí a choramingar que a Globo não nos dá espaço. O velho Marx já nos avisou, estamos em luta, luta de classe.

Por Elaine Tavares – jornalista

Conferência proferida na VI Convenção de Solidariedade a Cuba, em Porto Alegre, partilhando mesa com os jornalistas Marcos Weissheimer (Carta Capital) e Norelys Morales Aguilera (Cuba).

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