quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Descoberto um acelerador do lúpus - Paloma Oliveto


Cientistas concluem que uma determinada sequência genética faz com que sintomas sejam intensificados. Revelação abre caminho para retardar efeitos da doença

Os sintomas são tão diversos que, até se chegar a um diagnóstico, o paciente já peregrinou por dezenas de consultórios. Doença autoimune, condição caracterizada por ataques desencadeados pelo próprio organismo, o lúpus eritematoso sistêmico atinge órgãos tão diferentes quanto rins e pele. Além de sofrer as consequências do mal, os portadores lidam com outro problema: ainda não se conhece exatamente o mecanismo por trás da enfermidade. Um estudo apresentado por pesquisadores italianos, porém, conseguiu identificar uma estrutura com papel importante no desenvolvimento do lúpus, o que poderá levar a melhores intervenções terapêuticas.

O hematologista Gianfranco Ferraccioli, pesquisador e professor da Universidade Católica do Sagrado Coração, em Roma, conta que o lúpus foi, por muito tempo, associado somente a uma doença dermatológica. “Isso porque uma das características é o aparecimento de manchas, algumas nas bochechas, em forma de borboleta”, diz. “Mas hoje já se sabe que é um problema sistêmico, que interfere no funcionamento de vários órgãos e estruturas, particularmente o sistema nervoso central, os rins e as articulações, além da pele”, afirma. “Os danos mais graves não são os problemas dermatológicos, mas aqueles relacionados aos órgãos internos”, explica.

Os cientistas italianos identificaram uma sequência de letras de DNA, que chamaram de “acelerador genético”, diretamente relacionada à manifestação dos sintomas do lúpus. O DNA é uma estrutura em forma de fita que fica no interior das células. Dentro dele estão as informações necessárias para a produção de todas as proteínas de um indivíduo, que vão definir desde a cor do cabelo a possíveis doenças que, um dia, a pessoa desenvolverá.

No caso do lúpus, o acelerador se chama HS1.2. Os cientistas observaram que nas pessoas com sintomas mais agressivos a sequência de DNA acelera a produção de uma molécula, a NF-KB, o que torna mais rápida a resposta inflamatória dos órgãos. “Nós sabemos que no lúpus eritematoso sistêmico os anticorpos, em vez de defender o corpo, fazem o contrário: atacam as próprias células, provocando um processo inflamatório. É esse processo que desencadeia os sintomas. O HS1.2 é como o acelerador de um veículo, ao ser acionado: ele estimula o ataque aos órgãos, ativando rapidamente a resposta imune da doença”, explica Ferraccioli, diretor da Unidade de Radiologia da Universidade Católica do Sagrado Coração e principal autor do estudo.

Comemoração Segundo o hematologista, 30% dos pacientes que têm lúpus possuem esse acelerador genético, que também pode desencadear outras doenças autoimunes, como artrite reumatoide. “Nos pacientes em que identificamos o HS1.2, os sintomas do lúpus são muito mais graves. Já havíamos estudado esse mesmo acelerador e sua relação com o mecanismo para o próprio corpo responder agressivamente às suas células”, diz. Ele conta que a equipe realiza pesquisas sobre doenças autoimunes há uma década, e que essa é uma das descobertas mais importantes do grupo.

“Se conseguirmos desenvolver um medicamento que bloqueie a ação do HS1.2, o resultado é que ele não estimulará mais as inflamações severas. Essa é uma grande esperança para um tratamento mais eficaz do lúpus”, diz. O reumatologista Domenico Frezza, da Universidade de Roma Tor Vergata, explica que, atualmente, há diversos remédios que combatem a enfermidade. “Há drogas realmente muito boas, mas elas não são direcionadas ao mecanismo do lúpus em si; esses medicamentos atacam os sintomas da doença, o que não é a mesma coisa de evitar que esses sintomas apareçam”, afirma. “Além disso, os efeitos colaterais costumam ser muito fortes.”

Gianfranco Ferraccioli conta que o ano passado foi muito importante na área de pesquisas de doenças autoimunes, com a descoberta de elementos genéticos diretamente implicados com as enfermidades. “Há tempos essas doenças são bem conhecidas do ponto de vista clínico; isto é, os médicos sabiam que elas existiam. Não eram conhecidos, porém, sua base e a forma como trazem danos aos órgãos internos. Os grandes passos adiante dados recentemente foram as descobertas dos mecanismos que provocam esses danos. É isso que possibilitará intervir de maneira específica e, portanto, mais eficaz”, acredita.

Entusiasmo A descoberta dos cientistas romanos foi recebida com entusiasmo por Gerald Appel, pesquisador do Colégio de Médicos e Cirurgiões da Universidade de Columbia, que recentemente compilou os principais estudos sobre a doença nos últimos 10 anos. “Houve uma melhora na classificação das diferentes classes do lúpus, o que facilitou muito, para os médicos, a prescrição de terapias adequadas a cada caso”, conta. “Novos regimes medicamentosos usam doses mais baixas de drogas tóxicas, trazendo menos efeitos colaterais sem sacrificar a eficácia do tratamento. Da mesma forma, essas pesquisas que se concentram nos mecanismos ligados ao desenvolvimento do lúpus têm se intensificado e acredito que, na próxima década, teremos excelentes notícias para os pacientes”, comemora.

Professora de alergia e imunologia da Universidade de Milão e coautora do estudo conduzido por Gianfranco Ferraccioli, Raffaella Scorza ressalta que, além da busca por novas drogas, é importante que médicos se empenhem no diagnóstico precoce da doença. “Isso é fundamental. Sabemos que o tempo que os pacientes perdem até começarem com as intervenções terapêuticas é muito grande e, enquanto isso, o lúpus vai se desenvolvendo e comprometendo o organismo como um todo. Fazer o diagnóstico precoce significa interromper o ciclo vicioso da doença que mantém o processo de dano. Um caso comum que vemos no dia a dia é o de pessoas que começam com nefrites e acabam rapidamente sofrendo de falência renal”, relata.

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