quarta-feira, 8 de maio de 2013

Um olhar para a saúde pública cubana


Um olhar para a saúde pública cubana



José A. de la Osa

 RESUMO

Nas últimas cinco décadas, após o triunfo da Revolução em 1959, a medicina cubana atingiu avanços notáveis em várias áreas. Este artigo propõe um resumo cronológico, separado por temas, desses avanços. O desenvolvimento de novos fármacos, a educação sanitária da população, a criação de hospitais e policlínicas e o acesso gratuito ao atendimento médico para toda a população são alguns dos fatores centrais analisados. O aumento do número de profissionais na área médica também possibilitou a aproximação dos serviços básicos e preventivos (vacinação) para todos os setores da população. Na mesma linha, e respondendo aos valores humanitários da Revolução, as campanhas solidárias realizadas pelos médicos cubanos são exemplo mundial de solidariedade.





Para uma aproximação das transformações produzidas na saúde pública cubana nos últimos 50 anos, é essencial conhecer, como ponto de partida, o contexto imperante antes do triunfo da Revolução, em 1959. Para isso, bastaria citar as palavras contidas na célebre alegação de Fidel Castro, La historia me absolverá, diante do tribunal militar que o julgou em 1953 pelos sucessos do Moncada. Disse Castro:
A sociedade se comove diante da notícia do sequestro ou o assassinato de uma criatura, mas permanece indiferente diante do assassinato maciço que se comete com tantos milhares e milhares de crianças que morrem todos os anos por falta de recursos, agonizando entre os estertores da dor e cujos olhos inocentes, já neles o brilho da morte, parecem olhar para o infinito como pedindo perdão para o egoísmo humano e para que não caia sobre os homens a maldição de Deus [...]
Essa era a situação prevalecente quando triunfou a Revolução: um quadro sanitário caracterizado por tétano, difteria, sarampo, tosse ferina, poliomielite, tuberculose e outras doenças. As crianças contraíam gastrenterite e doenças respiratórias, que eram as primeiras causas de morte. A taxa de mortalidade infantil, sem registros estatísticos confiáveis, era superior a 60 por cada 1.000 nascimentos, e a expectativa de vida era de apenas 60 anos, para uma população de cerca de seis milhões de habitantes.
Cuba atingiu em 2010 uma taxa de mortalidade infantil de 4,5 por cada 1.000 nascimentos, a mais baixa das Américas.
A taxa de mortalidade infantil, que mede o número de óbitos de crianças durante o primeiro ano de vida - o mais crítico para a sobrevivência de um ser humano -, é expressão da qualidade com a qual o país atende e protege suas crianças, sua saúde, sua segurança material, sua educação e sua socialização. É, por isso, um indicador demográfico internacional que mostra de forma sintética esses avanços.
Entre os fatores que contribuíram para esses resultados favoráveis, está, em primeiro lugar, a vontade política do governo revolucionário de oferecer atendimento sanitário gratuito para todos os cidadãos, com especial esmero para as mães e seus filhos; a existência de um alto grau de escolaridade da população; e um programa nacional de vacinação com uma cobertura de praticamente 100% das crianças.

O porquê das baixas taxas de mortalidade infantil

Atendimento para gestantes e para crianças. Como média, realizam-se 12 controles de saúde para as mulheres grávidas. Na primeira consulta, são indicados exames de laboratório, incluídos os de sorologia (sífilis) e HIV, realizados no casal; 99,99% das mulheres dão à luz em maternidades. As grávidas com risco de ter crianças prematuras são imunizadas, entre a 28ª e a 38ª semanas de gestação, com "maturação pulmonar" para prevenir a doença da membrana hialina que gera dificuldades respiratórias no recém-nascido.
Dependendo da situação social das gestantes, elas ingressam em um Hogar Materno (Maternidade) onde recebem apoio nutricional e um amplo programa de educação para a saúde. As mulheres em idade fértil com risco de ter anemia recebem gratuitamente um suplemento de ferro e ácido fólico e, durante a gravidez, um suplemento vitamínico para prevenir a anemia. As mulheres com diabetes também são atendidas por especialistas em endocrinologia, com a finalidade de que cheguem ao parto com o diabetes controlado. Todas as grávidas, sem exceção, realizam o exame de diagnóstico de malformações congênitas (ultrassom, no primeiro trimestre e, depois, entre as 20ª e 22ª semanas, o de alfafetoproteína), e as grávidas maiores de 37 anos podem realizar a amniocentese para a detenção da síndrome de Down, fundamentalmente. Nas primeiras consultas, as grávidas são avaliadas por um mestre em Assessoramento Genético.
Tudo isso sustenta-se num sistema de saúde acessível a todos, universal e gratuito; um alto desenvolvimento educacional da população e o direito reprodutivo da mulher para escolher livremente o número de filhos que deseja ter.
A atenção com as crianças começa desde o nascimento, com uma amostra de sangue do cordão umbilical e do calcanhar para determinar a possível existência de doenças endocrinometabólicas e genéticas que, diagnosticadas a tempo, podem ser tratadas com sucesso: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, galactosemia, déficit de biotinidase e hiperplasia adrenal congênita. De forma programada, as crianças sadias são vistas na Consulta de Puericultura em média 12 vezes ao ano. Também são examinadas por um geneticista. Nesse período, são imunizadas contra 13 doenças passíveis de prevenção.
O desenvolvimento de um programa nacional de vacinação permite manter o país livre de 15 doenças transmissíveis, como a poliomielite, difteria, tétanos do recém-nascido, sarampo, rubéola, síndrome pós-parotidite, febre tifoide, tuberculose meníngea, tose ferina, raiva humana, paludismo autóctone, vírus do Nilo Ocidental, febre amarela, chagas e cólera.
Há também o controle de outras 10 doenças, levando em consideração seus baixos níveis de incidência: meningite meningocócica, meningite e pneumonia, heomophilus influenzae tipo b, leptospirose, hepatite B, brucelose, parotidite, tétanos do adulto, Aids infantil e sífilis congênita. Na atualidade, 9 das 15 vacinas administradas à população são produzidas em centros científicos cubanos, e as restantes são adquiridas de empresas farmacêuticas no exterior.


Sobre o sistema assistencial

No começo de 1960, apenas três meses depois de formados, mais de 300 médicos partiram para cumprir o Serviço Rural com uma mochila nas costas, um estetoscópio, alguns poucos instrumentos cirúrgicos e os medicamentos elementares que cada qual conseguiu. Eles respondiam, dessa forma, às solicitações, sugeridas nas assembleias de estudantes de Medicina, de que apresentassem solução para as condições sanitárias adversas da época.
Esses ares dos "novos tempos na Revolução" completaram-se depois com a renúncia expressa do exercício privado da Medicina e, também, com a extensão para dois anos ou mais do Serviço Médico Rural, com a vigência do espírito de superação científica, com o impulso da medicina e da estomatologia preventivas e com o cumprimento dos altos princípios do internacionalismo em saúde, que aumentaram nesses 50 anos de Revolução.
Em Cuba, hoje, para uma população de pouco mais de 11 milhões de habitantes, existem 13 Institutos de Pesquisa que oferecem serviços assistenciais, ensino e pesquisa; 146 Hospitais gerais e especializados; 11.466 Consultórios Médicos de Família; 131 Clínicas Estomatológicas; 122 Asilos para as Terceira Idade; 231 Casas de Avô; e 141 Maternidades, fundamentalmente criadas em zonas distantes para aproximar as grávidas dos serviços com salas de parto.

Educação e saúde

Para elevar os níveis de saúde da população, os esforços da Revolução começaram com a Campanha Nacional de Alfabetização em 1961, que abriu o caminho para a educação sanitária; e a aplicação, desde 1960, de uma política social que permitiu estabelecer a equidade no acesso a serviços, que foram progressivamente ampliados com postos médicos rurais, maternidades e policlínicas que iniciaram o atendimento primário no país, para priorizar a assistência aos grupos mais vulneráveis da sociedade.
Talvez o primeiro grande aporte da Revolução para a saúde pública - que possibilitaria os ambiciosos programas educativos desenvolvidos nas Ciências Médicas - tenha sido a introdução do conceito de universalização da docência médica, ao integrar os estudantes de Medicina e Enfermagem durante seu processo de aprendizagem com as unidades assistenciais docentes, o que permitiu, também, atingir a massificação dos programas de formação dos recursos humanos na esfera sanitária.

No período compreendido entre 1959 e 2010, formaram-se no país mais de 100 mil médicos, dos quais, no final do primeiro trimestre de 2011, encontravam-se em pleno labor 73.025. Desse total, 43.088 são mulheres. São milhares também os formados em Estomatologia, Licenciatura em Medicina, Tecnologia da Saúde. O país conta com 13 Universidades médicas e 17 Faculdades de Medicina.

Foram criados também centros científicos para o atendimento sistemático das atividades da ciência, cujas pesquisas respondessem às necessidades do país, no curto e no longo prazos. Foram traçados os lineamentos gerais e se asseguraram os recursos materiais e humanos para o sucesso dessas tarefas. Lembremos que, no momento em que triunfou a Revolução, o país contava com uns seis mil médicos, 50% dos quais emigraram para os Estados Unidos alentados pelas políticas governamentais desse país.

Nos anos seguintes, determinou-se que era necessário ampliar e aperfeiçoar o sistema nacional de saúde criado, assim como o sistema de atendimento médico e hospitalar; desenvolver a medicina preventiva; continuar a impulsionar a medicina rural; aumentar os estudos de medicina do trabalho e sua aplicação no tratamento de doenças profissionais; elevar o nível da cultural sanitária do povo, e enfatizar a prevenção do meio ambiente e dos bens naturais.
Foram ainda formulados os orçamentos metodológicos que configuraram a Escola Cubana de Medicina, estabelecendo a prevenção como conceito primordial do sistema sanitário no cuidado da saúde, com o fim de eliminar os restos da velha medicina que olhava a doença e não o doente.
Já há muitos anos, a mortalidade geral em Cuba não é consequência das chamadas "doenças da pobreza", mas, como nos países altamente desenvolvidos, das doenças do coração, do câncer e dos acidentes cerebrovasculares. A expectativa de vida dos cubanos atinge hoje quase 80 anos.

Desenvolvimento científico e solidariedade

A estratégia de desenvolvimento em saúde seguida pela Revolução nesses anos contribuiu também, de maneira eficaz, para fomentar uma área científica dedicada à pesquisa e à elaboração de produtos medico-farmacêuticos, obtidos por via da engenharia genética e a biotecnologia, assim como uma moderna indústria de medicamentos.

Em relação aos fármacos que produz e comercializa o Centro de Engenharia Genética e Tecnologia, citaremos, como exemplo;

 1-Heberprot-P, que favorece a cicatrização das úlceras diabéticas; 
 2-Heberpenta, vacina pentavalente produzida conjuntamente com o Instituto Finlay, para a imunização ativa de crianças contra a difteria, o tétano, a tosse ferina, a hepatite B e a Haemophilus influenzae tipo b;
 3-Heberbiovac HB, vacina recombinante contra a hepatite B; 
 4-Quimi-Hib, vacina contra a Haemophilus influenzae tipo b; 
 5-Heberon Alfa R,Interferon-Alfa 2b humano recombinante, para o tratamento de infecções do vírus papiloma humano e outras; 
 6-Heberkinase (estreptoquinase recombinante), indicada para o infarto miocárdico agudo.

Também foram produzidos equipamentos médicos avançados como o Sistema Ultramicroanalítico (Suma) do Centro de Imunoensaio, que é utilizado há mais de 25 anos com notáveis resultados para o diagnóstico e a prevenção de malformações congênitas. Só o programa cubano de hipotireoidismo congênito tem facilitado, de 1986 até hoje, o diagnóstico de 788 crianças com esse transtorno, que conduz ao retardo mental profundo, chamado "cretinismo", se não for detectado a tempo.  Além disso, por meio do Programa de Alfafetoproteína, ao longo de 28 anos, têm-se estudado mais de 3,6 milhões gestantes com 7.868 malformações graves detectadas, para uma incidência de 2,22 a cada 1.000.

Recentemente, foi realizado um estudo social nacional que incluiu 366.864 pessoas com deficiências maiores: físico-motoras, visuais, auditivas, mentais e deficiências das funções e estruturas dos órgãos (insuficiência renal crônica), fundamentalmente.

Os avanços das técnicas de análise clínica, com o emprego do Suma, possibilitam na atualidade a montagem de uma nova rede de laboratórios, em todos os municípios do país, para realizar o diagnóstico maciço preventivo, em pessoas supostamente sãs, de diversas doenças como o câncer de colo do útero, de cólon e próstata, diabetes, insuficiência renal e várias doenças infecciosas como dengue, lepra e Aids.

Historicamente, desde o triunfo da Revolução, a ação da colaboração médica cubana internacional foi marcada, fruto do magistério de Fidel Castro, pelo atendimento humano e solidário em resposta a necessidades de saúde de países que sofreram catástrofes e desastres naturais, com falta de pessoal de saúde para oferecer atendimento à população, ou por falta de condições de instalações médico-sanitárias para levar a assistência até lugares distantes.


Nessas ocasiões, são mais de 40 mil os trabalhadores da saúde que prestam seu serviço em 68 países do mundo, em praticamente todos os continentes.

Menção especial merecem as ações de colaboração dos médicos cubanos nos programas da Aliança Bolivariana para os povos de nossa América (Alba), particularmente a Operação Milagre para doentes com problemas de visão, que, desde 2004 até hoje, beneficiou mais de dois milhões de pessoas de 34 países de nossa América, considerada por muitos "o maior programa de solidariedade médica da história"; e os estudos para a identificação de doenças genéticas e deficiências, realizados também na Venezuela, na Bolívia, em São Vicente e Granadinas, no Equador e na Nicarágua, que permitem aos governos desses países brindar o atendimento que demandam as pessoas carentes de assistência médica e material.

As transformações e a experiência acumuladas desde o triunfo da Revolução em 1959 no âmbito científico, assistencial, de recursos humanos e materiais não ficam circunscritas ao país. Cuba compartilha o que tem, dentro e fora de suas fronteiras, como expressão da essência humanista da Revolução e exemplo da possibilidade de que prevaleça um mundo mais solidário e justo.
Esse é o motivo pelo qual, apesar da topografia dos lugares onde se encontram as brigadas médicas cubanas, em geral lugares mais inacessíveis, essas mantêm entre si semelhanças e algumas diferenças, sendo o denominador comum do trabalho de médicos, enfermeiras e técnicos nos lugares onde prestam serviço, certamente, visão social e vocação irrenunciável de lutar para aliviar a dor dos mais necessitados, entrega sem limites e disposição de compartilhar, também, o saber científico com os outros, imersos no rosto triste da pobreza num mundo onde prevalece ainda a injustiça.

Referências
ÁLVAREZ, J.; DE LA OSA, J. A. Senderos en el corazón de América: apuntes sobre salud y ciencia en Cuba. Madrid: Sangova, 2002.         [ Links ]
CASTRO, F. La historia me absolverá. Havana: Ediciones Políticas, 1967.         [ Links ]
CONSTITUCIÓN DE LA REPÚBLICA DE CUBA. Havana: Editorial Política, 1982.         [ Links ]
CUBA.  MINSAP.  Dirección Nacional de Estadística. Anuario Estadístico, Havana: MINSAP, 2010.         [ Links ] 
TESES E RESOLUÇÕES do Partido Comunista de Cuba. Havana: Editorial de Ciencias Sociales, 1978.  

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